segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Autarquia



Dois terços de mim são saudades do que não vivi. O outro terço eu rezo pra ver se descubro o que é.

Não pense que é assim completamente rotineiro pra mim: Eu nunca gostei tanto de cicatrizes antes. Cicatrizes são como características que não se repetem em mais ninguém, nem nos universos mais loucos dos livros. Cabe a nós, na quietude do silêncio, destilar segundos vividos como quem permite-se aprender a ver beleza nas marcas. Não existe quem não saia marcado daqui, e é por isso que encostar os cotovelos em marquises gélidas, assistir as nuvens em sua dança celestial é pra mim, como dedilhar o reflexo e reconhecer a finitude anunciada. Nosso tempo está lançado e estar preso na estranha confiança que a gente tem em si mesmo nunca foi lá uma idéia que me agradasse, por isso tiro sonecas sem sentido, como num jeitinho freudiano de dizer pra mim mesma que só preciso acordar outra vez.

Rezo para que as horas, cicatrizes imutáveis dos relógios, levem-me ao tempo de mudar-me e manter-me. Levem-me, lavem-me e tragam dias passageiros com tanta beleza que se os pudesse tocar, sentiria-os desfazer entre os dedos. Tragam-me brisas capazes de fazer-me abraçar as pernas de tanta introversão. Tragam-me ao peito, aquele sentimento solto da liberdade de pertencer-me. E por fim, marquem este encontro de mim, comigo mesma para todas as manhãs daqui em diante.

Hoje eu chovi e molhei a primavera de cada poro deste corpo fechado.
Eis que solto-me aos dias e os respeito agora, assim como vierem. Mas que não se iludam, as manhãs. Não desisto fácil de lutar pelos sorrisos vividos em par. Nunca. E não sinto medo de dizer nunca. Porque nunca e sempre fazem parte das sensações absurdas que o peito desatina, e viver é respeitar o sentir. E sentir é ter a convicção de que mais ninguém no universo pode trilhar o seu caminho e viver sua história. E viver a sua história é notar que só você traz na alma o potencial de fazer-se autenticamente feliz. E fazer-se autenticamente feliz é ser você, ainda que chova. Mesmo que o imprevisível seja inegável, atreva-se a seguir seu próprio caminho, ainda que ele seja de dor. É seu e ninguém mais pode roubá-lo.

Agradeço a vocês, cicatrizes.

11 comentários:

Anderson disse...

Que Lindo Texto
parabens por esse belissimo blog!!!.

Davi Drummond disse...

ótimo blog, ótimo texto =))

to seguindo aqui, segue lá? =D

www.foiporquerer.blogspot.com

Leonardo Ângelos disse...

Seu silêncio é pacífico. Meio triste, me atrevo a dizer; mas sobretudo calmo, esperançoso e tranquilo. Por ser esperançoso talvez nem seja tão triste. Suas palavras são como o seu silêncio: belas sonoridades, de quem gosta de ver o que é bonito, de quem se enche dele e depois o despeja em rimas, e algo semelhante a leves ondas.

http://leonardoangelos.blogspot.com

Nação Esmaltada disse...

ain me encontrei nesse texto, vou até postar no meu fotolog. *.*

Já estamos te seguindo tá! Se puder fazer o mesmo, beijos.
http://nacaoesmaltada.blogspot.com/

Nação Esmaltada disse...

Tudo bem flor, não se preocupe, referências sempre *.* beijos e boa noite!!

Gavriel Alon disse...

otimo blog e otimo texto!!
gostei !

Anônimo disse...

vc e essa sua habilidade de encantar

Marco disse...

muito bom o blog e o texto e esse fundo da agnes obel também ficou legal, combinou bastante

http://rocknrollpost.blogspot.com/

Anônimo disse...

Você me encantou com seu texto.. Muito perfeito, encantador. Me encontrei nele em todos os momentos! Adorei muito, de verdade. Bem escrito, palavras usadas de maneira correta e bonita! Nossa, seu texto me tocou de uma forma impressionante. E por fim: Cicatrizes são resultadas de dores, essas duas nos fazem crescer muito.
Abraços!
http://lollyoliver.wordpress.com/

Alexandre Rodrigues disse...

Muito bom o seu texto, palavras sábias!!!

Thiago Reis disse...

muito profundo, parabens

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