domingo, 8 de novembro de 2009

Manhã carioca.





Ah, esses meus ponteiros...

Hoje acordei lembrando-me da gaveta que guardo minhas blusas preferidas. Junto a ela tenho caixinhas com mechas dos fios dourados do meu cabelo da infância, perfumes antigos em algodões e em frascos pequenos, conchinhas que achei em praias diferentes com seus respectivos nomes sobre a face funda, borrachinhas que nunca acabaram, páginas antigas de diários que abandonei com o tempo, velas de aniversário, posters especiais que já foram selados na porta dos armários que tive, entre um infinito de coisas que só possuem um significado para mim. Todas reúnem fatores que aguçam os meus sentidos mais singulares: lembram-me o mar, me enchem a vida de um odor mágico e de uma canção maravilhosa.

Poucas pessoas importam-se em guardar seu passado distante, pois eu faço questão. Guardo em fotos, filmagens, pensamentos, sentidos e até mesmo em gavetas.

De pronto soube, eu queria ter um dia bom, desses que eu gostaria de lembrar no futuro.

Mas como?! hoje é domingo, preciso fazer um trabalho para amanhã, está um calor de quarenta e muitos graus no Rio de Janeiro, meu cabelo está péssimo e não me encontro em um momento de alegria aparente. Cara, preciso falar do calor mais uma vez. Eu não estou suportando, acho que nunca passei por dias tão desesperadamente quentes. Não está humano, não está. Pronto, falei.

De qualquer maneira, eu tentaria ter um dia bom.

Sempre me liguei muito aos detalhes, as pequenas coisas que me faziam sorrir. Minha infância sempre foi um prato cheio para me arrancar sorrisos sinceros. Não foi diferente. Arrisquei-me a lembrar de coisas que jamais lembraria se não fosse forçar a memória, assim consegui.

Lembrei-me do rosto do velhinho que vendia algodão doce na porta do colégio que estudei aos cinco anos.

Lembrei-me da minha mania de apresentar bonecas novas as antigas bonecas do quarto.

Lembrei-me de estender os pés no tapete separando todos os dedos ao tomar meu picolé favorito: Limão.

Lembrei de observar a minha babá dormir e pensar "Tomara que amanhã ela queira brincar de esconde-esconde comigo."

Lembrei-me de passar as mãos na cortina e de sentir a textura lembrar a calça jeans do meu pai.

Lembrei-me de tomar banho tentando não molhar a parte do braço onde minha mãe havia deixado uma marquinha de batom bordô.

Lembrei-me de deitar na rede com um laser vermelho apontando para varandas alheias

Lembrei de passar o último olhar em todas as casas que tive que deixar e dar adeus aos meus amigos de estados diferentes com o rosto paralisado, como quem não aguenta mais não saber de onde é, para onde vai, com quem vai estar. Corria para chorar escondida, mas dois minutos depois eu corria para rir entre os outros.

Lembrei-me de não gostar da parte que cantavam "Com quem será?" nas minha festas infantis. Sempre inventavam um nome de garoto completamente sem sentido, pareciam saber junto comigo que a minha infância foi muito solitária nesse aspecto. Por isso respondia esboçando um sorriso triste observando a vela, louca para fazer um pedido novo.

Lembrei-me de fazer corrida de gotinhas no vidro do carro no dia que eu fui mordida por um cachorro e senti medo do meu rosto ficar deformado.

Sempre fui tímida, poucas pessoas sabem disso. O humor é uma forma de agredir, uma forma de mostrar que nem sempre você está pronto para falar de si mesmo. Com isso, faço questão de usa-lo todos os dias.

Só que hoje eu precisava como nunca de uma dose enorme de humor.

Resolvi molhar os pés na piscina, tomar banho cantando "Solta o Frango", desenhar uma margarida no box, quebrar a rotina secando-me com uma toalha, comprei uma escova de dentes nova, deitei na cama para fazer carinho na Samantha tentando encontrar desenhos no céu. Não bastou. Resolvi pensar no futuro e estranhamente ele me pareceu bom. Bastou dessa vez.

Sabem por que?

Porque eu não sei ser infeliz, nem mesmo quando tudo tenta me fazer estar.

Eu sou um exército de detalhes que nunca vão morrer por cair no esquecimento.

Mas o melhor de tudo é que os ponteiros do relógio estão correndo, dezembros chegam sem parar e a vida me apresentará muitas causas para sorrir. Muitas.

Que os novos detalhes me cheguem apurados aos sentidos e que os velhos sejam como tatuagens de grande porte pela alma.


Bom dia para vocês.

(Não sei por qual motivo escrevi esse texto.)


6 comentários:

Anônimo disse...

Impactante como sempre.
Parabéns.
L.K.

Anônimo disse...

lindo texto,como todos os outros.Mais um pra minha coleção ^^
;*

Clone disse...

Você é um poço sem fundo de detalhes... não sei como alguém pode não se apaixonar por uma pessoa tão única...

Queria saber o que o futuro te destina.
=*

Anônimo disse...

Eu gosto das certezas que tenho a respeito de seus detalhes. E sei que o futuro reserva coisas boas pra você... FÉ. :*

Anônimo disse...

vocação para ser uma escritora do caralho
acredite

Anônimo disse...

Mirar o laser nas varandas alheias. Ainda te ensinarei a apagar a luz do poste! HAHA :P

Postar um comentário