quinta-feira, 13 de maio de 2010

Retinas e pulsações



Quando a luz não vem de dentro, é melhor abrir as janelas.


Era hora de reinaugurar a própria vida, começar um caderno novo. Desdobrar-se em um oceano perdido. Sair da gaiola da própria mente e enfrentar as limitações do mundo. Pelas retinas rendia-se aos pés da impressão imediata. Pelo coração derramava-se aos braços do conhecimento ao outro. Seu coração estalava em articulada sintonia pulsante. Encostava os dedos no peito, mas não os conseguia afundar. Ela queria tocar seu coração de menina, embaralhar-se em veias e mapear seus labirintos em uma retina que pudessem refletir o que se sente dentro de um beco chamado espelho. Aos cacos sorria em servir. Precisava ser luz em luma. Silêncio de hospital. Ruído de banho abafado pela porta. Um par de pantufas no inverno. Margarida no cantinho do asfalto. Chocolate quente em caneca antiga. Brinquedo encontrado. Esconderijo de criança. Um barquinho de papel. Broncas para o bem. Personagem de desenho. A música escolhida para cozinhar sozinho. Espacinhos entre os dedos que fazem lembrar de algum contato com outra mão. Caneta imediata para anotar telefones. Chaveiro de viagem. Ursinho de dormir. Útero que forma. Coração que adota. Ar condicionado no calor. Lanterna embaixo da cama. Lápis de cor no estojo. Ouvinte atenta. Alianças de casais. Travesseiro com cheirinho de shampoo. Um poema sem rimas na gaveta. O balancinho no quintal da casa antiga. Mãos que fatiam lágrimas. Um sorvete favorito do verão. Casa pintada. Um biscoitinho de madrugada. O pulo na piscina. Sofá confortável. Arco íris. Dedos na grama. Resolução da prova de física. Malas prontas. A rede confortável. A coca-cola congelando. A praia de tardinha. Uma viagem em família. Uma massinha de modelar. Uma bailarina no centro da sala. O Rock n' roll no quarto. Um gatinho ronronando. Um segredo engraçado. Uma loucura boba. Seriado querido. Orquídeas na mesa. Pegadas na areia. Neve no telhado. Nomes escritos no ar. Tela recém pintada. MPB no churrasco. Grinalda da noiva maquiada. Constelação favorita. Pulo na cama. Suco de uva às quatro da tarde. Cuidado de esposa. Pai que chega cedo. Casinha de bonecas na grama. Um passarinho na janela. Bola que vêm por cima do muro. Ânimo de adolescente. A tatuagem eterna. Frasco novo de perfume antigo. Colo de mãe. Cheiro de livro novo. Sorriso tímido. Fita cor-de-rosa no cabelo. Cinema com pipoca e guaraná. Beijo de bebê. Pipa na mão do menino. As bochechas dos avós. Os vídeos da infância. Presente na porta do quarto. Oração secreta. Borboleta que pousa inesperadamente. Abraço que aquece o outro coração. Álbum de fotografias no armário. Um casaco na bolsa. Um beijo apaixonado. Janela de avião mostrando as nuvens. A conchinha diferente na praia lotada. Um pijama listrado. O filme devolvido. Uma frase que se espera. Um brigadeiro na panela. Arte na parede da garagem. Uma carta entre as contas. Uma gargalhada solta pelo quarto. Um conto inventado para dormir no escuro. Um abrigo na tempestade. Alguém. Alguém para te fazer sorrir.

Com os olhos cheios de cores possuía uma relação ainda sensível com seus diamantes não lapidados. Seus sinos ainda eram roucos. Estranhamente roucos. Mesmo assim, seu organismo implorava para que ela transformasse uma vida que fosse. Mas para isso, ela precisava transformar-se. Ela mergulhava ao encontro de si mesma e percebia que suas células entregavam fotografias para que guardasse com carinho. Ao gosto inato da dissolução noturna percebia que em instantes aprendia sobre suas próprias dores nas tristezas do mundo.

Paula via-se nas feridas das pessoas. Na solidão de quem afasta um amor e chora em um travesseiro frio. Na fome dos meninos da esquina. Nos preconceitos. Nos dedos apontados. Nos gritos. Nos hospícios. Na pipa presa no fio. Na fuga do bichinho de estimação. Nos lutos inevitáveis. Na monopolização. Na falta de amigos. Nas lágrimas que são derramadas em secreto. No livro sem leitor. Nas separações. Nos abortos. Nos assaltos. Nas irritações do cotidiano. Nas dores de cabeça. Na nostalgia que corrói. No escritor esquecido. Nas músicas de namoro antigo. Nas culpas sem remédio. Nos casamentos infelizes. Nas religiões. Na distância. Na falta de cobertor. Nos mendigos em papelões. Nas crianças que precisam trabalhar. No governo formado por ladrões. Nos professores que traumatizam. Na rejeição. Na miséria das mentes materiais. Nas purezas dos marginalizados que não são observadas. No teatro vazio. Nas portas trancadas. Nas histórias que não conseguem ter fim. Nas dores de coluna da mulher do prédio. Nos discos arranhados. Nos desempregados em desespero. Nos asilos. Nas mulheres que não podem ter filhos. Nos filhos que crescem sem seus pais. Na morte precoce. No atropelamento da vizinha. Na fratura do estudante. Nos velórios sem palavras de consolo. Nas brigas que afastam. Na falta de um perdão. No telefonema que nunca aconteceu. Nos pratos vazios. Nos envelopes sem cartas. Nas palavras ásperas e as nunca ditas. Nos abraços insossos. Nas lágrimas da criança. A beleza por dentro de um coração revestido em lataria. Nas minhas contradições, erros e atitudes patéticas. Na vida sem Cristo. Nas friezas dos médicos. Nos talentos que são enterrados no cemitério. Nas garrafas vazias. Na loucura porca nos bolsos políticos. Nas drogas pelo corpo. Nos hospitais e escolas públicas. Na tristeza nos olhos de quem vira as costas e a gente não consegue ver. Em todo e qualquer peito que não pulsa o amor. Nós devemos ser a mudança que queremos presenciar em cada ser humano. É hora de abrir um novo caderno. Nunca é tarde para escolher uma nova capa motivadora e focar todo o fôlego em páginas em branco. Se for da sua vontade, comece você também. O novo incomoda porque nos desafia. O novo não precisa gritar, pois em silêncio já nos convida a trocarmos as lentes. O novo é ver no rosto do outro um espelho e em entusiasmo conservar viva a fome de alimentar outras vidas.



Não é engraçado quando olhamos outros olhos bem de perto e conseguimos ver nossos rostos? É, assim como se pudéssemos fazer alguma coisa...



20 comentários:

Anônimo disse...

Que coisa fantástica este texto.

Parabéns Paula

Rodrigo

Unknown disse...

Eita! Muito bommm!!
Me deixou aqui pensativa (:
;*

Anônimo disse...

Boa tarde menina, desculpa pela invasão, sou de Macaé ando lendo seu blog fiquei muito impressionado com a forma que escreve, realmente vejo uma escritora de grandíssimo valor. Nunca desista.
Frank Ferreira

Artur disse...

mtu bom *-*
me predeeu do começo ao fim

Paula Maximiano. disse...

Obrigada, Frank e Rodrigo. São esses comentários que me estimulam a continuar escrevendo publicamente. É sempre bom saber que existe alguém do outro lado. Um beijo.
Fiquem com Ele.

Luan Silva disse...

Sua forma de escrever vai muito além das palavras, é algo ate difícil de descrever. Diante de um texto desse só me resta parar, pensar e refletir, tentar compreender o que de forma clara vc quis dizer..

Sand de Jesus disse...

Amei suas palavras, a forma como escreve, me passou sentimento.
Se voce precisar recomeçar 10 vezes as faça 11!
E se as 11 nao der certo faça 12, 13, 14... E se você em 20 e não ter dado certo, é hora se enfiar Cristo nas tentativas porque voce estará tao caleja que sua mente terá ficado limpa pra ver que com Ele seria BEM mais simples *-*

Uma hora funciona (experiencia própria!)

Abraço forte, sempre passarei por aqui *-*+

quaseadolescentes - disse...

lindo , você escreve muito bem . pensas em ser escritora cara amiga ?

Rodrigo Ferreira disse...

Adoreiii seu blog e
seu texto está demais
bjus
e obg pelo comentario .

bjus

Daniel Lima disse...

Muito bom texto e com bastante pertinência.
Parabéns.

www.comdestaque.blogspot.com
www.sarau2eteres.blogspot.com

Debora Tavares disse...

Olá, aqui é a Débora. Vi seu blog favoritado em anonimanoanonimato vi que estava atualizado e resolvi saber quem eras. Caramba, que choque estar perdendo esse dom para aprender a encontrar a paz que anda tão difícil nesse mundão a fora. Paz, dimdim e sucesso nessa sua nova tentativa de auto superação.
Abraço

Adriano disse...

Muito orbigado pelo seu comentário e opinião sincera em meu blog Colunas de Hércules.

Por se tratar de um blog sobre negócios, empreendedorismo, eu sempre recebo alguns comentários assim falando sobre os maleficios do capitalismo, assim como o egoísmo do ser humano.... claro qeu respeito meus leitores e concordo também com muitas coisas.

Mas a evolução tecnológica não vem só para nos prejudicar.. por exemplo. Nesse último post eu citei sobre uma nova estratégia do Youtube que é uma empresa da Google.

Você mesma, que tem uma opinião formada sobre o tema capitalismo, no momento está usando pelo menos 3 produtos dessa empresa. o Blogger, o Orkut e o Buscador Google (+ Apps seguidores, busca personalizada e hospedagem de imagens no Picasa), ou seja, é a mesma empresa, Google, dona de tudo isso que te oferece serviços para se expressar até mesmo contra o sistema em que ela atua... isso é o contrário de egoísmo.

Claro qeu eu entendi a sacada da sua idéia e concordo sim, ams se pararmos pra pensar nós mesmo que gostaríamos que o mundo fosse diferente nesse sentido, ajudamos a criar o contrário, sendo clientes dos "donos do planeta".

Como mudar isso? Acredito que as politicas sustentáveis já são maneiras menos egoistas de se ver o mundo como um patrimonio de todos nós...

Um bjao...

Adriano - Colunas de Hércules

r. disse...

SUSIS

adorei ler seu texto, li do início ao fim *--*

você escreve muito bem, parabéns pelo blog.

Diana disse...

é, você encanta quando suas mãos alvas e pequenas desmontam em letras. Sempre instigante e procurando algo que a faça ir mais além, além das nuvens com os pés no chão.

Anderson Faleiro disse...

ótimo texto, tantas coisa acontecem e acabamos esquecendo, essas trivialidades que ficam para traz também fazem parte de nós, como olhamos para o espelho quando acordamos, um gesto para alguém na rua, tudo faz parte de nós mesmos, as pequenas coisas que constituem as grandes, elas nos levam aos grandes feitos.
um texto que realmente prende a gente, você escreve excepcionalmente bem, parabens.

iria adorar ter a sua opinião sobre algum dos meus textos =]

http://bonecozumbie.blogspot.com/

Fulano de Tal disse...

Texto tão belo quanto a autora.

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
luanapaiva disse...

sou de Alagoas e adorei teu blog e as musicas dele. Vc escreve muito bem.
http://verdadeinventada.blogspot.com
Bjs

Andrei Vinicius Morais disse...

Adoro viajar nessas leituras, ainda mais quando apresentam um conteúdo tão significativo. Simplesmente lindo.

Obrigado, estava precisando ler coisas boas hoje :)

Niko Travesso disse...

blog interessante!
=]

www.nikomoska.blogspot.com

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