Gostava de formar laços de seda, de enrolar os dedos nos fios de telefone, de fitar as cordas do seu violino, desenhar livre em uma folha de papel, fazer carinho, dedilhar grãos de areia e principalmente de acompanhar a leitura passando a ponta do indicador pelas letras. Perto do coração que gravava movimentos articulados, vestia uma roupa tão desajeitada quanto seus ombros e saía de óculos de sol para ver o mundo menos escancarado. Gostava de fechar os olhos um pouco antes do sol chegar, de pedalar em ladeiras, tirar fios de cabelo do casaco e de encontrar chocolate na mochila. Paula tinha vergonha de admitir que ama receber flores, de dizer que detesta quando dizem que All Star está desamarrado e que de verdade não importa-se com o que dizem sobre sua maquiagem forte. Paula tinha vergonha dos seus joelhos de garoto, da sua coluna desalinhada e dos seus pés tão pequeninos quanto os de uma criança de dez anos. Paula odeia esportes e de fato não é porque ganha-se ou perde-se, mas porque é desastrada, não consegue correr, gritar ou pular em público. Paula gosta de falar na terceira pessoa, pois sente-se analisando a própria existência. Um botão faltando na blusa era capaz de deixa-la fora de si, mas nada a irritava mais do que tentar tirar pasta de dente de um tubo quase vazio. Ela era feliz, o problema era que isso nunca dependia muito dela. A vida gostava de irrita-la com os detalhes mais engraçados, mas às vezes era pesado demais para suportar sem lágrimas no final da tarde. Paula sempre quis guardar em um potinho os cheiros mais gostosos da vida, óbviamente que cheiro de livraria antiga, aeroporto e de pipoca entrariam fácil nessa lista. Colecionava coisas estranhas, guardava fotos aleatórias, difamava seus defeitos mais ridículos para cada célula do seu quarto. Ela gostava de estudar, o passo difícil era parar o que estava fazendo. Sempre muito curiosa, incrível como gosta de saber de coisas que ninguém repara mais. Achava cheiro de mamão a pior coisa do universo. Quando sentia-se sozinha, criava vidas entre as folhas de papel ouvindo músicas realmente gostosas aos seus ouvidos. Quando comia algum prato feito por alguém que amava, nunca mais esquecia o gosto. Andava de meias só quando o frio realmente arrepiava cada poro do seu corpo pequeno. Olhar nos olhos de um cachorro a fazia sentir paz. Cantar para Cristo a fazia sorrir.
O vapor do café a encantava, o sopro do vento a acalmava e deitar na canga para observar as estrelas era como se tudo voltasse a fazer sentido. Enquanto tomava banho, gostava de imaginar que estava em qualquer outro momento diferente para tentar encontrar soluções. Cada vez que ouvia uma gargalhada ser provocada por suas gracinhas, sentia-se ganhando um oscar.
Ainda que ela não soubesse bem se gostava de ser quem era, nada a fazia mais feliz no mundo do que amar alguém especial. Em contraste, nada a fazia mais infeliz no mundo do que não ser amada por alguém especial. Paula odiava sua mania de parar de ver séries na metade, vomitar, banana, anelídeos, Paulo Coelho e verde musgo. Sentia nojo de si mesma cada vez que provocava uma lágrima, mas quando era ela quem chorava... tratava de fugir do seu ego e ir dormir até outro dia chegar. Difícil mesmo era quando ela conseguia sentir um mês passando como se fosse um ano inteiro...
O que eu estou escrevendo?
quarta-feira, 30 de junho de 2010
sexta-feira, 25 de junho de 2010
Tela
O céu aberto é um convite para ir para qualquer lugar que te faça sorrir. Certas janelas lembram-me que viver é melhor fora das molduras. Bem dentro dos quadros, é assim que eu quero estar. Os cenários não me limitam, a criatividade pode fazer milagres quando precisamos ver o impossível entre as frestas. Pintar com os dedos, deixar a tinta diluir nossas lágrimas, soltar os medos entre os pincéis, dançar entre as manchas, confiar na arte para construir castelos.
Esse meu preto e branco já não é tão rock n' roll, anda precisando de uma tal valsa feita de cores fortes para desatinar a vida em arco íris.
Alguém ai tem lápis de cor?
quarta-feira, 16 de junho de 2010
Contos de farpas
Cantava bem baixinho em notas altas enquanto o céu cobria seus presságios. O fel do coração derramava-se no lençol carmim. Tecia hinos dourados como colméia ao sol que tentava amorenar sua constante palidez. Quando abriam suas páginas, sentia-se como bailarina de caixinha de música. Feliz por estar ali, encantadora ou importuna. Com olhos fartos pelo lustre de cetim, ajustava-se em tropeços, e com o tremor de suas mãos moldava seus delírios em retratos feitos de teclas. O latejar de sua mente era isolado, mas ela sabia voar. O murmúrio desvanecia-se como névoa dissipada pelo vento. Perdia o tino mas não sucumbia ás forças de bambos chãos. Paula era poesia estranha, rima diferente, palavra que não vinha a mente, verso meio desalinhado, involuntária melodia que resolve fazer parte quando menos se espera. Quando a loucura alheia a puxava para a doença, ela dançava. Dançava longe dos seus pés. Não deixava que pudessem rasgar a carne que já estava em seus ossos branquinhos, muito menos que assoprassem suas cinzas enquanto as minúsculas células desfaziam-se. O asfalto gritava palavras de um mundo em crise, enquanto do céu caiam lágrimas. Para sorrir, esvoaçava asas de cartolina e fazia-se pluma. Mas o que confortava mesmo, era a luz que afundava o quarto entre as brechas da janela de madeira.
quarta-feira, 9 de junho de 2010
Era perceptível
Laura estava diante do seu primeiro amor. Não sabia muito bem como lidar, era nova demais para compreender como manteria algo tão forte dentro de si mesma. André era um jovem de beleza avassaladora que cultivava um amor profundo por ela. Era divertido, sensato e objetivo mas às vezes esquecia que Laura precisava sentir-se livre. André tocava guitarra e adorava bandas antigas. André gostava de dedilhar os traços de Laura enquanto ela dormia. André amava cozinhar com ela. André era escritor, mas nas veias era mais real que o próprio respirar. Em um show do Metallica, Laura gritou: "Quer casar comigo?" e recebeu um beijo com gosto de álcool como resposta. Laura de alguma maneira esperava que aquilo fosse um sim. Viveram um romance inesquecível, transpiravam paixão adolescente. Namoraram por longos anos até André mudar-se para o Canadá com sua família, juraram que isso não seria problema. Laura cresceu, André não mais. Eles nunca mais se viram, era tarde. Laura sentiu-se abandonada, ele nunca havia ligado para ela, nem mesmo mandado uma carta. André morreu em um acidente de trem. Laura nunca soube. Até que...
Laura conheceu Eduardo.
Eduardo magoava
Eduardo era um homem interessante, culto, não muito bonito. Eles não eram tão felizes juntos, mas Laura engravidou. Laura não gostava da idéia de ser mãe, mesmo assim os teve. Depois de sete anos de casamento, resolveram viajar sem as crianças.
Laura tinha acabado de vestir seu novo biquíni. Era cor de rosa e tinha lacinhos delicados nas laterais, mal podia esperar para chegar à praia. Sua pele era tão branquinha quanto um algodão mas ela não ligava, não via a hora de mergulhar. Ao chegarem, Laura arrumou as cadeiras, as cangas e o guarda sol. Era a segunda lua de mel do casal, seus filhos Bruno e Giovanna estavam em casa com a irmã de Eduardo.
Tirou o vestido, passou o protetor solar, colocou um lindo óculos de sol e sentou-se na cadeira. Seu marido a observou dos pés aos fios de cabelo e disse: "É melhor tomarmos cuidado para não comermos muito na viagem!!"
Laura logo entendeu que ele não havia notado que seu biquíni era bonito, ele observou o seu corpo e construiu com mais um saco cheio de tijolos um muro de insegurança quanto à auto imagem de Laura. Foi tão forte sentir-se feia que mesmo depois do divórcio em 1989, ela nunca mais saiu do maiô e mesmo assim ainda sente-se complexada dentro de um. Eduardo nunca a procurou novamente. O estranho era que Laura era uma mulher linda, não havia nada de errado com ela. Até que...
Laura conheceu Otávio.
Otávio esquecia
Otávio sempre foi um homem repleto de amigos. Possuia grande irritação nos olhos e sobrancelhas medonhas, pareciam taturanas. Otávio gostava de deixar a barba falhada e usar blusas largas. Nunca levou Laura para jantar sem as crianças. Odiava o macarrão que Laura fazia com dedicação e sorrisos múltiplos enquanto ouvia Chico Buarque.
Otávio odiava o barulho que os saltos de Laura faziam no piso de madeira. Odiava seu perfume forte e o modo que ela dormia esparramada na cama. Otávio era executivo e Laura dava aulas de piano. Otávio tinha os nervos quentes e Laura era a paciência em pessoa. A escova de dentes de Otávio era azul e a de Laura, lilás. Laura odiava os pelos de Otávio e o modo que ele fazia barulho mastigando. Otávio amava as pernas de Laura e seus seios fartos. Laura gostava de comprar roupas enquanto Otávio passava horas bebendo com seus amigos. Otávio nunca observou como Laura era angelical ao dormir. Otávio não gostava de sair com Laura. Ela sempre foi uma mulher delicada e entregue aos seus dons. Laura possuia fundos olhos azuis e silhueta afinada. Quando tocava o piano da sala, seus filhos sentavam para ouvir aquela corrente sonora como se a mãe fosse um anjo a ter caído do paraíso. Otávio via fórmula 1 e não comia salada. O tempo foi passando e Laura, Otávio, Bruno e Giovanna ainda estavam juntos.
Uma sexta-feira de novembro havia chegado. Laura acordou radiante, queria estar linda. Soltou seus fios claros, colocou seu perfume favorito e passou um batom de cor forte. Verificou se tinha algum telegrama, olhou a caixa de emails, passou meia hora olhando para o telefone. Ouviu alguém na porta e pensou que fosse o florista. Não era. Foi ao mercado com as crianças, comprou tudo o que precisava para fazer um jantar maravilhoso. Ao chegar em casa, arrumou todos os quartos, passou os ternos do marido e foi preparar o jantar enquanto as crianças brincavam. Já havia passado da hora de Otávio chegar. Laura ficou preocupada, ele não antendia ao celular. Laura pensou que ele deveria estar preparando uma surpresa para ela. O relógio bateu três da manhã. Laura observou o jantar tão frio quanto o seu marido, foi dormir com seus filhos e deixou que as lágrimas pudessem lavar suas bochechas da falta de sorrisos.
Otávio chegou no dia seguinte e havia esquecido de que tinha sido aniversário de Laura. Laura nunca o contou. Agora tinha três filhos: Breno, Giovanna e Otávio. Laura morreu aos quarenta e três em uma parada cardíaca ao lado de Otávio e desde aquele dia que ele havia esquecido de seu aniversário, nunca mais tinha sido sua mulher. Ela tinha feito o papel de mãe. Se não era uma mãe atenciosa aos seus filhos, imagine ao filho de cinquenta e oito anos. Eduardo ganhou a guarda dos filhos e dois meses depois, Otávio casou com a secretária de vinte e seis. Até que...
era tarde, Laura não conheceria mais ninguém.
Laura desperdiçou
O importante não foi quem supostamente esqueceu, magoou ou abandonou. No final era perceptível que Laura havia jogado fora a oportunidade de ter sido plenamente amada ao não ir embora das suas relações frustradas. Para ela, fugir do sofrimento era ausentar-se da própria vida. No último segundo de vida Laura entendeu tudo. Ela sentia falta de alguma coisa que não estava lá, mas não sabia o que era. Achava que era falta de casa cheia, de muitas pessoas. Quem sabe até fosse falta de si mesma. De pronto soube, já era.
Até que...
Laura reencontrou André.
sábado, 5 de junho de 2010
Entre gestos
No corpo carrega uma alma inifinita que conta um, dois, três para fechar os olhos e começar a sonhar. Tão pequena essa tal gigante que pensa que a vida é fácil de viver dentro dos olhos. Não sabe onde está, nem para o que veio mas sabe que seus pés sempre trilham o que o passado exala. Tão louca essa tal vibrante mania de ir embora dos pesadelos, menina que sonha com o que vê dentro do espelho. Ela sabe como pode ser uma tempestade lá fora porque dentro tem o sol. Sol agúdo que esquenta a tormenta dos seus motivos castanhos de não saber o que é. Tantas vezes acalentada em outonos infernais procurava abrigo no próprio peito. É perdida, mas pessoas parecem conseguir se encontrar com as suas palavras. Entre cada fronteira criava força entre ossos frágeis e destruia muros de aço com palavras de algodão. Para respirar trazia as palavras ao convívio, como um livro aguardava olhos que soubessem ler com atenção e ousadia de compreensão. Leve pintura de porcelana que estala, estala estala e se espatifa no chão quando não é iluminada por um faról de poesia. Quantos saveiros, quantos navios e quantos naufrágios dentro de do seu oceano orgânico a apontantavam como navegante das próprias ilusórias correntes marítimas. Quando precisava de um sopro de esperança, imaginava que alguém iria com ela pela vida, pelos passos, pelos poros, pelos sonhos e pelos ralos. Tão densa a armadilha de sempre ter que sentir seus fios soltos no ar, como se uma melodia não pudesse mudar o futuro de lugar. Quando a menina pisava fundo dentro do mar, era como se uma flor de gelo brotasse nos espacinhos entre os dedos de seus pés. Pés bailarinos e desengonçados eram regados por correntes veias azuis. Seus dentes dilaceravam emoções, mordia a vida com vontade. Seu corpo era estrelado de células dilatantes e branquinhas, que mergulhavam em serena nostalgia refugiada entre as raizes dos pêlinhos dos braços pequenos. Nostalgia que afagava a lembrança de ter sido livre. Livre entre giz de cera, casinha de madeira e pêlo de ursinho. Não deixe que o tempo a leve embora do que os nervos prendem e chamam de lembrança. Se o coração bater forte e lembrar, abra a gaiola e pinte um céu. Ela sabe voar para perto, para longe, para o vento. Mas se coração bater forte e pedir, abra a porta da sala, tire o casaco pesado dos seus ombros pequenos e a convide para sentar. Ela sabe permanecer e ao mesmo tempo levitar entre emoções em perfeita sintonia compartilhada. Aqui levanto solene minha estrofe de mil dedos e faço juramento: Amo firme, fiel e verdadeiramente a liberdade de permanecer em tudo aquilo que importa entre os calendários que caem atrás do armário e nos fazem esquecer que o tempo não espera.
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